Babygirl: um Cinquenta Tons de Cinza no estilo da A24


A24. Nicole Kidman. Melhor Atriz no Festival de Cinema de Veneza. Um filme que explora a sexualidade feminina e a dinâmica de poder. Babygirl tinha todos os motivos para me deixar intrigada. Mas depois de assisti-lo, senti que havia desperdiçado um tempo precioso da minha vida com nada mais do que uma fantasia sexual vazia.

O filme inteiro me deixou constrangida, sem palavras, até desconfortável. Mais ironicamente, enquanto assistia, sem querer "desbloqueei" um sentimento familiar — a mesma perplexidade e o cansaço que experimentei enquanto assistia Instinto. Foi quando percebi que ambos foram dirigidos por Halina Reijn. Depois disso, decidi terminar Babygirl apenas para poder escrever este artigo e explicar por que acredito que os filmes de "fantasia sexual" de Reijn são, essencialmente, Cinquenta Tons de Cinza disfarçados de cinema artístico. Não têm nada a ver com as experiências reais das mulheres e, na melhor das hipóteses, servem como meras projeções do desejo. Ainda mais ironicamente, as próprias mulheres que podem fantasiar sobre tais cenários muitas vezes mantêm uma distância segura deles na realidade.

A protagonista, Romy (interpretada por Kidman), é uma CEO bem-sucedida de uma grande empresa com uma vida familiar aparentemente feliz. No entanto, seu marido, Jacob (interpretado por Antonio Banderas), não consegue satisfazer seus desejos sexuais — ela só consegue atingir o orgasmo por meio de uma transa mais agressiva, e ele não tem consciência disso. A chegada de um jovem estagiário, Samuel (interpretado por Harris Dickinson), desperta os desejos latentes de Romy, puxando-a para um perigoso jogo de domínio e submissão, até que tudo saia do controle.

À primeira vista, a trama parece repleta de tensão. Porém, o que me fez reconhecer instantaneamente que Babygirl e Instinto são da mesma diretora foi o seguinte: antes dos protagonistas masculinos aparecerem de fato, ambos os filmes tentam construir uma atmosfera natural e realista, fazendo com que as identidades e os ambientes das personagens femininas pareçam críveis. Contudo, no momento em que os personagens masculinos entram em cena, os filmes mudam abruptamente de tom — a realidade desaparece e a história mergulha na fantasia, como se as mulheres fossem consumidas pelos seus desejos e sua racionalidade desaparecesse.

Babygirl começa com uma cena de sexo entre Romy e Jacob, na qual a insatisfação de Romy e os vislumbres de sua vida parecem surpreendentemente autênticos e fiéis à vida cotidiana. Entretanto, no momento em que Samuel aparece, o filme muda seu foco para cultivar a atração sexual aparentemente irresistível entre ele e Romy, enquadrando o fascínio do estagiário através da perspectiva da CEO. De maneira semelhante, Instinto começa com a rotina diária de trabalho da psicóloga Nicoline, mas assim que seu paciente Idris, um predador sexual, aparece, o filme se dedica a retratar a masculinidade de Idris e a vulnerabilidade de Nicoline em sua presença. Tanto em Babygirl quanto em Instinto, as mulheres que inicialmente ocupam posições de poder nas estruturas sociais tornam-se submissas nas relações sexuais, enquanto os homens em posições subordinadas ascendem à dominação. Embora os filmes afirmem explorar o desejo feminino, eles caem na armadilha narrativa mais clichê: associar o prazer feminino à passividade, submissão e humilhação.

Babygirl
Babygirl
Instinto
Instinto

Isso reflete a premissa central de Cinquenta Tons de Cinza — exceto que Christian Grey detém controle absoluto tanto na vida quanto nas relações sexuais. Babygirl "inverte" essa configuração, concedendo às mulheres poder no mundo real e, ao mesmo tempo, fazendo-as perder o controle diante do desejo. À primeira vista, essa parece ser uma estrutura mais "progressiva" do que a de Cinquenta Tons de Cinza, mas, na realidade, reforça narrativas patriarcais, sugerindo que as mulheres não conseguem controlar verdadeiramente seus desejos quando se trata de relações emocionais e sexuais.

Em essência, Babygirl e Instinto tentam explorar como as mulheres em posições de poder redistribuem o controle em suas relações sexuais. No entanto, as protagonistas são consistentemente retratadas com uma ingenuidade e imaturidade que contradizem sua idade, seu status social e sua suposta autoridade. Elas parecem incapazes de enfrentar seus desejos com franqueza ou de controlá-los com racionalidade, deixando-se dominar por completo. Em outras palavras, Babygirl e Instinto não são reflexos de mulheres poderosas da vida real, mas, sim, uma visão fantasiosa delas — uma ilusão de liberdade que permanece sob o controle masculino. Aceitar as premissas desses filmes significa aceitar a mentira patriarcal de que o sexo é uma arma que os homens usam para conquistar as mulheres e que as mulheres são inerentemente imaturas e irracionais.

Essa fantasia é ainda mais evidente porque o filme se concentra nas relações sexuais e não no desenvolvimento pessoal das personagens femininas. Babygirl é apenas uma projeção dos desejos das mulheres da elite, construindo uma "fantasia sexual segura" semelhante a Cinquenta Tons de Cinza — mesmo quando as mulheres desempenham papéis passivos na fantasia, elas mantêm o controle, decidindo quando começa e termina. Porém, esse tipo de fantasia sexual não me deixa animada, pois parece profundamente irônica. É baseada em uma premissa perturbadora de que o prazer de algumas mulheres deve ser alcançado através do masoquismo, seja na fantasia ou na realidade.

Em Babygirl, Jacob e Samuel discutem sobre como as mulheres sentem prazer enquanto Romy permanece em silêncio. Na realidade, vemos dinâmicas semelhantes acontecerem várias vezes; os desejos das mulheres são definidos pelos homens, os corpos femininos são debatidos pelos homens e as vozes das mulheres são totalmente apagadas.

Babygirl tenta retratar uma personagem com total liberdade, mas a realidade é muito mais brutal. Romy acaba não perdendo nada — ela até ganha a experiência sexual perfeita — e afasta os acionistas que tentam controlá-la, declarando vigorosamente: "se eu quiser ser humilhada, vou pagar alguém para fazer isso". De maneira superficial, isso sugere que as mulheres têm total liberdade, incluindo a de recusar e de "escolher a humilhação".

Babygirl
Babygirl

Contudo, ironicamente, Kanye West caminha no tapete vermelho do Grammy com sua esposa, Bianca Censori, quase nua. Embora as mulheres, na realidade, sejam sistematicamente humilhadas, a tentativa de Babygirl de debater se as mulheres têm a "liberdade de escolher a humilhação" parece absurda e ridícula. Isso não é liberdade, é ilusão.

A verdadeira questão que vale a pena discutir é por que o prazer feminino ainda está fadado à humilhação, e não se as mulheres têm a "liberdade de escolher a humilhação". Se não conseguirmos sequer formular a questão corretamente, a suposta exploração do desejo feminino por Babygirl nada mais é do que outra tentativa vazia de brincar de casinha.

Kanye West caminha no tapete vermelho do Grammy com sua esposa, Bianca Censori, quase nua

No mundo do filme, as mulheres parecem ter ganhado tudo — elas dominam suas carreiras, detêm o poder e até exercem o controle sob a própria humilhação. Mas que tipo de vitória é essa se ela é construída inteiramente sobre uma fantasia sexual elaborada de maneira complexa? Embora as mulheres reais ainda lutem pela dignidade básica, o filme nos diz que elas podem escolher livremente como serão humilhadas. Isso soa como uma hipnose patriarcal sofisticada, enfeitando as algemas antes de as mulheres as colocarem de boa vontade.

Talvez o aspecto mais absurdo de Babygirl não seja a fantasia de Romy em si, mas a tentativa do filme de convencer os espectadores de que essa fantasia faz parte da realidade.

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