AQUI, DE ROBERT ZEMECKIS

"Eu vou sentir falta daqui".

“Verdade? Eu não.”

Esse rápido diálogo acontece no terceiro ato de Aqui (Here), e não chega a ser um momento muito marcante do filme. Mas essa troca de palavras expondo sentimentos simples acabou ficando na minha memória após a sessão. Não como um resumo do que o filme tenta dizer, mas sim por se conectar aos vários desencontros que ele nos apresenta. Aqui é o novo trabalho do diretor Robert Zemeckis, responsável por obras incríveis como a trilogia De Volta Para o futuro, Náufrago e Contato... e outras não tão incríveis, como O Expresso Polar e o remake live-action de Pinóquio. Mas agora Zemeckis parece retornar à velha forma que fez alguns de seus antigos filmes funcionarem tão bem: histórias super emotivas, centradas num protagonista sincero e incorrupto (ainda que falho, beirando à ingenuidade), mas que servem de base para mostrar truques cinematográficos inovadores e chamativos.

Eu mencionei um "terceiro ato", mas a verdade é que a narrativa de Aqui desafia um pouco esse conceito básico de estrutura que se popularizou nas aulas de roteiro. Baseado na HQ de mesmo nome criada por Richard McGuire, o filme conta várias histórias que acontecem no mesmo espaço da sala de estar de uma casa num subúrbio americano. Lá nós acompanhamos a trajetória de uma mesma família, focando especialmente em Richard (Tom Hanks), primogênito do casal que comprou a casa no fim da Segunda Guerra. Nós vemos Richard crescendo naquela sala de estar. Vemos a convivência com seus irmãos, sua aptidão artística sendo adquirida e rejeitada, uma relação complicada com o pai surgindo através dos anos... Uma série de pequenos momentos de sua vida que se sobrepõe uns sobre os outros. E principalmente, esses momentos focam na romance de Richard com Margaret, começando num namoro adolescente, passando pelo seu casamento e o nascimento da filha dos dois, até chegarem à velhice. Margaret é interpretada por Robin Wright, promovendo assim uma reunião dos protagonistas de Forrest Gump com o diretor, em mais uma história que segue o amor de duas pessoas desde a juventude.

Mas apesar de Richard e Margaret tecnicamente serem os protagonistas, eles dividem a tela com as histórias de outras famílias que viveram na casa antes e depois deles. E mais do que isso, os saltos de tempo entre essas histórias inclui não apenas momentos antes da construção da casa, mas também antes da colonização das Américas ou do próprio surgimento da raça humana. Tudo isso sem jamais alterar o ângulo de câmera. Então mesmo nos momentos em que não vemos a janela da sala de estar ao fundo da cena, sabemos que o filme continua no mesmo lugar. Isso confere ao filme uma característica quase teatral, com aquele cenário adquirindo uma função bem literal de palco, mas também revela as suas origens em uma história em quadrinhos. A forma com que Zemeckis realiza as várias transições de cena, montando os recortes de épocas diferentes sobre partes específicas do cenário é uma linguagem muito utilizada nas HQs - são literalmente "quadrinhos" que surgem em tela. Na verdade, é uma adaptação direta da linguagem que Richard McGuire adotou na história original, criando paralelos reveladores entre as várias narrativas. Por exemplo, o diálogo que eu destaquei no acontece entre duas personagens, mãe e filha no começo do século 20, prestes a se mudar da casa. E seus sentimentos opostos sobre as vidas que tiveram naquele lugar se refletem na relação cada vez mais distante que Margaret, várias décadas depois, tem com sua própria filha. Ou as palavras de uma personagem reagindo à morte repentina de alguém sendo repetidas por outra na mesma situação. A ideia é que um lugar - qualquer lugar - é composto não só pelo espaço físico, mas pelos acontecimentos que presenciou e pelas pessoas que o habitaram. E mesmo que as memórias sejam perdidas, aquele espaço continua imbuído de significados, que ressoam através do tempo.

Além de interessantíssimo, é um conceito ambicioso. E Zemeckis talvez seja o melhor diretor que poderia explorá-lo - com exceção de Spielberg, que compartilha dessa predileção por melodramas profundamente americanos feitos com apreço especial pela técnica. Essa afeição ao tecnológico levou Zemeckis a empregar inteligência artificial nas várias cenas em que Tom Hanks e Robin Wright aparecem rejuvenescidos. Numa entrevista sobre o filme ao New York Times, ele disse que "esse filme não poderia ter sido feito três anos atrás". O que não é verdade. Ele mesmo fez a isso em De Volta Para o Futuro - Parte Dois, 25 anos atrás, usando maquiagem que envelhecia os atores. Mas o apelo da IA, mesmo com todas as suas problemáticas e controvérsias, foi grande demais para que ele resistisse. O resultado é eficiente, ainda que dê uma aparência bem plástica aos personagens. O que estranhamente combina com a plasticidade do cenário e do filme como um todo. Até mesmo as atuações. Todo o elenco se aproxima do limite do caricato, mas com uma simplicidade e sinceridade que não desvanecem. Mesmo assim, a presença óbvia dessa tecnologia deixa um gosto amargo na boca.

Todos esses elementos apenas contribuem para aquele aspecto teatral do filme. A trilha emotiva feita por Alan Silvestri, grande colaborador de Zemeckis, completa o pacote de cafonice.

Cafonice, mas no bom sentido. A cafonice honesta, que se encontra num melodrama que só é clichê, porque é verdadeiro. Os vários truques de Zemeckis funcionam. E eles conduzem esses personagens em seus pontos perdidos no tempo, diferentes em grandiosidade e relevância histórica, até um momento mágico: quando a câmera finalmente se move.

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